Entre as sessões de negociação de terça-feira e quarta-feira, as
ações ordinárias da CVC registraram um notável aumento de quase
25%. Isso ocorreu em resposta à notícia de que sua concorrente, a
123 Milhas, havia iniciado um processo de recuperação judicial,
após ter cancelado diversas viagens já agendadas por clientes.
Essa valorização das ações pode, em parte, ser atribuída à
crença de que a empresa listada na Bolsa de Valores conseguirá
expandir sua participação no mercado após as dificuldades
enfrentadas por duas de suas principais concorrentes. Pouco antes,
a Hurb também havia enfrentado problemas similares. No entanto,
analistas adotam uma postura cautelosa, o que também se reflete no
desempenho dos papéis durante o dia seguinte. No final da manhã da
quinta-feira, os ativos apresentavam uma queda de 5,47%, sendo
negociados a R$ 2,59.
Há, no entanto, observações de que o aumento significativo no
valor das ações na quarta-feira pode ter sido parcialmente
impulsionado por um fenômeno conhecido como “short squeeze”. Isso
envolve operadores que haviam vendido ações sem possuí-las
efetivamente, mas que agora estão comprando essas ações para cobrir
suas obrigações de empréstimos. De acordo com o mais recente
relatório XP Short Scout, os papéis da empresa apresentavam um
interesse em vendas a descoberto (short interest) correspondente a
11,9% do total de suas ações em circulação.
A presença notável de uma parcela considerável das ações em
posição de venda tem, em grande medida, uma ligação com a mesma
justificação apontada por alguns especialistas para advogar
prudência.
“No fechamento do pregão de terça-feira, a CVC registrou um
aumento significativo e continuou a crescer no dia seguinte,
impulsionada pelo anúncio do pedido de recuperação judicial da 123
Milhas. O mercado interpretou essa situação como uma oportunidade
para a CVC expandir sua participação no mercado. No entanto, é
crucial exercer cautela em relação a esse movimento”, afirma
Gabriel Costa, analista da Toro.
“É importante lembrar que a CVC também enfrenta desafios
complexos e há alguns meses precisou de um aumento de capital e
renegociação de dívidas para manter sua solidez financeira”,
complementa o especialista.
É importante destacar que, em junho deste ano, a empresa de
turismo conseguiu angariar um montante de R$ 550 milhões através de
um follow-on, o qual diluiu a participação dos acionistas. Esse
processo foi majoritariamente destinado a aprimorar a estrutura de
capital da empresa. Antes desse evento, a companhia estava
enfrentando dificuldades na renegociação e rolamento de suas
dívidas.
“Recentemente, a empresa comunicou ao mercado sua intenção de
adquirir as debêntures emitidas na 4ª e 5ª emissões, com o objetivo
de reduzir o endividamento em seu balanço. A alta observada nas
ações é prematura e reflete a especulação dos investidores quanto
aos desdobramentos possíveis”, acrescenta Costa, mencionando o
anúncio de uma compra de títulos no valor de até R$ 75 milhões.
Antes de sua reestruturação financeira, a CVC (BOV:CVCB3) já
havia passado por um processo semelhante em termos de suas
operações.
Desde 2021, a empresa vem implementando um plano de redução de
despesas e busca a integração das empresas adquiridas durante a
pandemia, visando a otimização de processos e a eliminação de
cargos duplicados.
No mesmo ano, os executivos delinearam uma estratégia para
expandir sua presença digital, um segmento no qual a CVC tem uma
participação limitada. A implementação de processos como o CRM
(Customer Relationship Management, sigla em inglês para Gestão de
Relacionamento com o Cliente), por exemplo, ocorreu apenas no ano
passado.
Durante o segundo trimestre de 2023, mesmo com parte das
mudanças operacionais já implementadas e o término da pandemia, a
CVC registrou um retorno ao prejuízo. Essa situação tem se mantido
de maneira contínua por quase dois anos.
No período compreendido entre abril e junho, a última linha do
balanço apontou um valor negativo de R$ 167 milhões, acompanhado
por uma saída de caixa no montante de R$ 64,4 milhões.
Para especialistas, esse resultado evidencia que, pelo menos até
o momento, as alterações realizadas ainda não tiveram impacto
positivo no balanço financeiro.
Além disso, cerca de quatro meses atrás, no meio das
reestruturações em andamento, os executivos-chefes (CEO) e
financeiros (CFO) da empresa renunciaram aos seus cargos. Fabio
Martinelli Godinho assumiu a posição de presidente, enquanto Carlos
Wollenweber foi designado CFO.
“O mercado tinha uma visão positiva de Leonel Andrade [ex-CEO],
enxergando-o como uma figura de mudança para a CVC. No entanto, ele
optou por renunciar”, comenta Danielle Lopes, analista de ações e
sócia da Nord Research.
Assim, a analista aponta uma série de eventos que contribuíram
para a incerteza e, consequentemente, para a volatilidade das
ações. “Inicialmente, observamos um histórico de prejuízos, seguido
por várias emissões de ações nos anos de 2020, 2021 e 2023. Essas
emissões causaram descontentamento considerável entre os
acionistas, já que muitos optaram por não participar de todas elas
e, por isso, sofreram diluição”, avalia ela.
Analistas divergem sobre ganho de share
O mau momento sustenta a dúvida na capacidade da empresa
aproveitar a saída de seus concorrentes do mercado. Para expandir,
é necessário gastar, o que demanda uma boa posição de caixa. Fora
isso, a capacidade da CVC no mundo digital, onde passou a tentar
galgar espaço recentemente, ainda não foi testada.
Neste cenário, analistas divergem entre o otimismo e o ceticismo
sobre a capacidade da CVC de ganhar mercado com o enfraquecimento
da 123Milhas.
“Acredito que é possível ver uma melhora operacional da CVC
daqui pra frente. Acho que o pior já passou. Ela teve um aumento do
prejuízo no terceiro trimestre, mas vem enxugando as despesas,
focando mais no seu core, que está nos pacotes, fretamento, etc”,
debate Vitorio Galindo, analista de investimentos da Quantzed. “Mas
eu não acredito muito que ela irá aumentar seu market share por
causa da crise do 123 Milhas”.
A CVC, para o especialista , compete em um nicho de público
diferente das empresas afetadas recentemente, focada mais em
consumidores mais velhos.
Para ele, o público da Hurb e do 123 Milhas é mais jovem e vai
passar a comprar passagens nos sites das companhias aéreas e
reservar hospedagem de forma direta – uma vez que adquirir pacotes
completos sai mais caro.
Costa, da Toro, explica que ganhar demanda nem sempre é algo
fácil e vai exigir esforços por parte da CVC. “Vimos, por exemplo,
o mesmo movimento nas ações de Magazine Luiza MGLU3 após o pedido
de recuperação judicial da Americanas AMER3, que saltaram 5,28% no
dia que saiu a notícia da fraude. Entretanto, o que se teve na
prática foi um excesso de otimismo, visto que na realidade os
ganhos de mercado não aconteceram”, lembra.
Danielle Lopes, da Nord, afirma que apesar de acreditar que CVC
oferecer uma marca antiga e de qualidade, desconfia da capacidade
da companhia avançar por conta do seu track record (histórico).
“A tese do mercado agora é de que as pessoas vão conferir o
tangível ao invés de comprar pacotes em um site no qual eles podem
sofrer um golpe. Existe essa crise de identidade no setor de
turismo. Mas tenho minhas dúvidas. Outras empresas, no passado, já
deixaram o Brasil, caso da Avianca, e a CVC não necessariamente
ganhou mercado”, indaga.
Fora isso, a especialista acredita que no curto prazo as pessoas
que perderam dinheiro não voltarão a viajar, uma vez que foram
lesadas e terão de se recuperar financeiramente. “A CVC até pode se
beneficiar, mas pode demorar. Se aparecer algo positivo, vai ser
daqui um ano, um ano e meio. Temos um delay. O mercado está
otimista demais para algo que nem fez conta ainda e que não
consegue tangibilizar”, menciona.
Por fim, José Eduardo Daronco, da Suno Research, tem uma posição
um pouco mais otimista.
“Inicialmente, devemos ver um cenário desafiador para hotéis e
até companhias aéreas, dado que os consumidores provavelmente irão
ou reagendar as viagens, ou até cancelá-las. Por outro lado, quando
pensamos em algo mais longo, a CVC deve se beneficiar do caso. A
competição pelos bilhetes aéreos tinha sido intensificada nos
últimos anos, com players como 123 Milhas roubando market share da
empresa. Como ela é mais confiável, a procura deve aumentar”,
expõe.
CVC BRASIL ON (BOV:CVCB3)
Graphique Historique de l'Action
De Oct 2024 à Nov 2024
CVC BRASIL ON (BOV:CVCB3)
Graphique Historique de l'Action
De Nov 2023 à Nov 2024